Por *Eunice Costa da Silva 

Kadjyre era um garotinho da aldeia Pykany, filho do pajé da aldeia. Como todos seus coleguinhas, ele estava na expectativa da chegada do novo professor para a sua aldeia. O que Kadjyre não sabia é que aquele professor iria mudar para sempre o rumo da sua vida.

No dia marcado, o professor Ivanildo chegou à aldeia. Era um rapaz muito animado, alegre e extrovertido. Em pouco tempo ele já conseguia se comunicar na língua Kayapó e com muita facilidade conquistou o carinho da comunidade e em especial de todos os seus alunos.

Ivanildo se afeiçoou muito a Kadjyre e sempre levava o menino consigo para onde ia. Na cultura kayapó é muito comum homens “adotarem” meninos com a finalidade de ensinar coisas práticas como pescar, caçar e sobreviver na mata. Desta forma, o relacionamento tão próximo entre professor e aluno foi aceito muito naturalmente.

Kadjyre passou a dormir na escola com o professor, que também era missionário. Ivanildo aproveitava todas as oportunidades para ensinar a Palavra de Deus ao seu pequeno aluno. Todas as noites investia muito tempo contando histórias bíblicas, ensinando a orar e falando de Jesus para Kadjyre. E foi assim que o filho mais novo do pajé conheceu Jesus e o aceitou como Senhor e Salvador da sua vida.

Duas vezes por ano, acontecia uma conferência bíblica na base missionária em São Félix do Xingu. Ivanildo preparou Kadjyre para participar desses eventos e ele foi um dos alunos mais jovens a participar das conferências bíblicas. Muitos outros jovens também aceitaram Jesus através do ministério desse missionário. E quando o seu contrato como professor finalizou, ele retornou para a cidade, mas deixou uma igreja estabelecida na aldeia Pykany.¹

Algum tempo depois, a família de Kadjyre mudou-se de Pykany para Môxkàrkô, uma aldeia recém-formada. Havia alguns crentes naquela aldeia, mas nenhum deles dedicava tempo a ensinar a Palavra de Deus para as crianças. Kadjyre casou-se com Pãnhtuk, uma menina que desde criança frequentava os cultos e ainda na infância aceitou Jesus, assim como Kadjyre. Juntos, eles começaram a desenvolver um abençoado ministério entre as crianças daquela nova aldeia.

Entretanto, em 1999, um trágico acidente aéreo ceifou a vida dos três crentes mais ativos de Môxkàrkô. Assim, cessaram-se os cultos e a Igreja foi sufocada pela tristeza que se abateu sobre toda a aldeia. Kadjyre e sua esposa também se retraíram por algum tempo. No entanto, passados alguns meses, eles decidiram retomar a programação com as crianças da aldeia. Não havia uma Igreja construída. Em algumas vezes o culto era realizado na casa dos guerreiros, outras vezes, na casa dos pais do Kadjyre ou na casa de pessoas que abriam suas portas para a realização dos cultos.

Foi assim a situação que encontrei quando comecei a visitar a Môxkàrkô, em 2006. Nesta época eu trabalhava com a missionária Selma Azevedo e começamos o projeto para construção de uma Igreja e de um alojamento missionário naquela aldeia. Enfrentamos muitas oposições e barreiras. Contudo, sempre nos reuníamos para orar e pedir a intervenção divina a nosso favor. Kadjyre foi uma peça fundamental neste processo: ele elaborou um documento, assinado por toda a comunidade, solicitando autorização para nossa permanência na aldeia, e, junto com os caciques, acompanhou-nos nas viagens a Tucumã onde funcionava a sede regional da FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) para conversar com o coordenador e apresentar os documentos necessários.

Finalmente, no dia 03 de junho de 2008 foi inaugurada a Igreja em Môxkàrkô! Kadjyre e Pãnhtyk estavam exultantes em ter um local adequado para reunir as crianças. Eles eram meu braço direito no trabalho missionário.

Alguns anos depois, Kadjyre foi trabalhar na cidade e acabou afastando-se do Senhor. Sua esposa orava por ele, sempre procurando levá-lo de volta ao Caminho. Dezenas de crianças que ele havia levado a Cristo já eram jovens e adolescentes fiéis a Deus, e se tornaram intercessores que, a cada culto, levantavam um clamor pelo retorno de Kadjyre.

Quando Kadjyre retornou, veio com um propósito firme: desejava ser batizado! E assim, tive o privilégio de preparar onze irmãos que, no dia 25 de fevereiro de 2018, foram batizados nas águas do rio Riozinho, na aldeia Môxkàrkô, incluindo Kadjyre e Pãnhtyk.

Hoje, eles são obreiros da aldeia e continuam seu ministério entre as crianças. Kadjyre, que é aluno do CMTB, toca violão e flauta e também  participou das gravações das histórias do Antigo Testamento que estão disponíveis na língua kayapó, através do site https://5fish.mobi/2230?language=Kayapo

 

[1] Ivanildo casou-se, tem duas filhas e hoje é missionário entre o povo Mansonka, em Guiné-Bissau, África.

*Missionária atuante na Missão Indígena Batista Conservadora – MIBAC – no estado do Pará

Registro do dia do batismo de Kadjyre

Kadjyre participou das gravações das histórias do Antigo Testamento que estão disponíveis na língua kayapó

Ele também toca violão e flauta 

Registro do irmão Kadjyre no projeto “Jesus Nosso Melhor Presente”

Aqui, participando da encenação bíblica do nascimento de Jesus durante o projeto natalino realizado entre as aldeias 

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